terça-feira, 23 de abril de 2013

As Usinas no Tapajós. A discórdia do desenvolvimento.

“Morrer na lama, debaixo d’água, é que é triste, né? Mas, achando um lugar onde a gente escape para morrer sossegado, quem me acompanha é Deus e meus filhos”. É humanamente impossível deixar de prestar atenção às palavras que pausadamente saem da boca de Maria Bibiana da Silva, apelidada de Gabriela em homenagem ao pai, José Gabriel. Do alto de seus 104 anos, comprovados pelo rosto profundamente enrugado e pelas pernas arqueadas em forma de alicate, a profética anciã responde de bate-pronto quando questionada sobre o que o rio Tapajós representa para ela: “o sossego”.

No longínquo ano de 1917, Gabriela partiu do Ceará rumo aos seringais do Acre. No meio do caminho, porém, a família resolveu fincar raízes em Pimental, uma vila de pescadores erguida na beira das águas esverdeadas do Tapajós, numa área que hoje pertence ao município de Trairão, no oeste do Pará. E de lá jamais saíram. Desde aquela remota época, os dias no modesto povoado onde atualmente vivem cerca de 800 pessoas nunca foram tão agitados.

A reportagem é de Carlos Juliano Barros e publicada por Agência Pública, 07-12-12.
Pimental tem uma inegável atmosfera de Macondo, a mítica aldeia ribeirinha que Gabriel García Márquez construiu na sua obra-prima “Cem anos de Solidão”. Mas, nesse isolado trecho do Pará, a discórdia não é provocada pela chegada de uma companhia bananeira, como no livro do premiado escritor colombiano, e sim pela construção da hidrelétrica de São Luiz do Tapajós, que pode mandar Pimental inteiro para baixo d’água. “Por mim, não tenho gosto que essa barragem saia, mas uma andorinha só não faz verão”, alerta Gabriela, a matriarca da comunidade.

Se de fato vingar, São Luiz do Tapajós será capaz de gerar até 6.133 Megawatts. No papel, é a quarta maior hidrelétrica do país, atrás apenas da binacional Itaipu – na fronteira entre Brasil e Paraguai –, de
Belo Monte e de Tucuruí, construídas, respectivamente, nos rios Xingu e Tocantins, também em território paraense. A usina é a maior de um complexo de até sete hidrelétricas que o governo federal planeja construir no Tapajós e no seu afluente Jamanxim. Até o final desta década, duas usinas devem de fato ser construídas.

Segundo dados preliminares que constam do inventário do potencial hidrelétrico da bacia do Tapajós, exatas 2.352 pessoas de 32 povoados ribeirinhos diferentes serão diretamente atingidas caso as sete hidrelétricas previstas saiam do papel. O estudo foi feito em 2008 pela Eletronorte, subsidiária da estatal Eletrobras, estatal oficialmente responsável pelas obras complexo de usinas. Movimentos sociais e entidades que assessoram essas comunidades acham que o número é subestimado.

C.A.K, presidente da associação comunitária da Vila Pimental: povoado em discórdia Foto: Fernanda Ligabue
Prevista para entrar em operação em dezembro de 2018, a usina de São Luiz do Tapajós é a que está em fase mais adiantada de licenciamento ambiental. O plano do governo é licitar a construção da obra até o final de 2013. Orçado incialmente em R$ 18 bilhões, o empreendimento tem verba garantida pela segunda edição do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), vitrine do governo da presidente Dilma Rousseff.

Fundada há cerca de 120 anos, Pimental é a maior das vilas ribeirinhas que serão alagadas pelas águas represadas da usina de São Luiz do Tapajós. Além dos roçados, a maior parte das pessoas ali vive mesmo é da pesca artesanal. “Nosso freezer é bem aí”, afirma José Odair Pereira Matos, o C.A.K., presidente da associação comunitária, apontando o dedo para o Tapajós. “É o rio que mantém o nosso peixe fresco.”

Hoje, Pimental representa a principal frente de resistência ao paredão de 3.483 metros de comprimento por 39 metros de altura da barragem, que vai alagar uma área de quase 75 mil campos de futebol. Porém, à medida que avançam os estudos de viabilidade para construção da usina, cresce também a cisão entre os moradores.

“Tem uns que são a favor da usina. Principalmente aqueles que conseguem empreguinhos de vigia de máquina, de carregador de barra de ferro, de mateiro para abrir picada na floresta nas empresas que fazem os estudos. Mas aí eu pergunto: e quando essas empresas forem embora?”, questiona Edmílson Azevedo, catequista da Igreja Católica.

“Quem está trabalhando hoje não se dá conta de que isso é temporário. As empresas criam a expectativa de que as pessoas vão se empregar, mas é uma ilusão”, analisa Raione Lima, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT). “Infelizmente, estamos vivendo um momento intenso de conflitos na comunidade, ribeirinhos contra ribeirinhos.”

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